MYCROFT E CROWE COMEÇARAM A discutir o horário de embarque e
desembarque de vários navios e portos. Sherlock ficou entediado bem depressa. A
mente ainda tentava solucionar o problema, encontrar uma resposta que eliminasse
a necessidade de Amyus e Virginia Crowe deixarem a Inglaterra.
— Vocês não sabem como os homens são — ele ponderou depois de
alguns minutos. — Podem rastreá-los, localizá-los, mas como saberão que os
encontraram? Se o que tem as cicatrizes for mantido escondido, os outros serão
só três homens no meio de muitos outros passageiros. Não há nada de especial ou
singular em nenhum deles, exceto o sotaque, e imagino que o porto de onde parte
um navio para a América seja cheio de americanos com sotaque parecido.
— Você pode me contar em detalhes como eles são — sugeriu
Crowe. — Já o treinei para olhar as mínimas diferenças que distinguem um rosto
de outro: o contorno das orelhas, a raiz do cabelo e o formato dos olhos.
Talvez possamos até fazer alguns desenhos com base em sua descrição. Virginia é
muito habilidosa com os lápis.
— Não sei se isso vai ser suficiente — Mycroft manifestou-se.
— As lembranças de uma testemunha, mesmo alguém observador como meu irmão,
podem ser imprecisas, e é comum que a percepção se distorça em situações de
forte tensão. Já faz um tempo que me interesso por esse assunto: a maneira como
a mente humana é capaz de inventar detalhes e se convencer de que são
verdadeiros. Suspeito de que haja muitos inocentes presos nas cadeias da Bretanha
por causa desses erros de reconhecimento, e isso acontece frequentemente quando
o veredito toma por base a descrição de uma única testemunha. Uma vez informado
de que o procurado tem barba, aquele que procura só consegue ver homens com
barba. Não, tudo o que Sherlock disser deve ser considerado com parcimônia.
Sherlock quase protestou, quase disse que se lembrava
perfeitamente dos quatro homens, mas algo o impediu. Sentia que a discussão
começava a favorecê-lo, com Mycroft e Crowe percebendo que o problema era maior
do que imaginavam no início, e não queria fazer nada que os levasse a mudar de
opinião.
Porém, ao mesmo tempo em que o coração desejava impedir a
partida de Amyus e Virginia Crowe, sua cabeça insistia em dizer que isso era
importante. Mycroft e Crowe pareciam mais sérios do que jamais os vira.
Sherlock não sabia ao certo se entendia todas as possíveis ramificações do que
estava acontecendo – como quatro homens, um deles completamente maluco,
poderiam afetar a política de toda uma nação? Mas podia perceber que o que
estava em jogo ali era muito maior do que seus problemas e dilemas pessoais. Se
pudesse ajudar, deveria fazer isso, não importando o quanto lhe custasse.
Essa era uma conclusão estranhamente madura, e ele não
gostava das implicações disso.
— Matty também viu os homens — Sherlock falou de repente,
quase sem pensar.
— O que quer dizer? — Mycroft perguntou com interesse
repentino.
— Estou dizendo que Matty viu o homem que me puxou para
dentro da casa, o que pode ser John Wilkes Booth, e depois, quando foi me
salvar, viu pelo menos dois dos outros três homens. O que sobra estava
inconsciente, nenhum de nós conseguiu vê-lo muito bem. Se querem uma descrição,
mas temem que minha memória não seja inteiramente confiável, podemos buscar Matty.
Juntos, com certeza forneceremos uma boa descrição, em especial se conversarem
com um de cada vez, e não com os dois juntos. Assim, não vamos nos influenciar.
— O garoto tem razão — resmungou Crowe. — Duas cabeças pensam
melhor que uma. Talvez eu possa mandar Virginia encontrar o menino. Ela sabe
onde fica ancorado o barco em que ele mora. Sim, um desenho baseado nas
lembranças de duas testemunhas vai se aproximar mais da verdade do que outro
feito a partir do relato de uma só.
Mycroft olhou para Sherlock.
— Entendo que você não queira que o Sr. Crowe e a filha
deixem a Inglaterra. Mesmo assim, acaba de nos dar uma sugestão que aumenta a
probabilidade de ambos partirem. Está pensando como um homem, não como um
menino. Estou orgulhoso de você, Sherlock. E nosso pai também estaria.
Sherlock virou-se para evitar que o irmão visse as lágrimas
em seus olhos.
Sem perceber a forte carga emocional do momento entre os
dois, Crowe levantou-se da cadeira e caminhou até a porta da casa.
— Ginnie! — gritou depois de abri-la. — Preciso de você! —
Ele ficou ali parado por um momento, até ter certeza de que a filha estava a
caminho, depois voltou e ficou em pé ao lado da cadeira.
Virginia Crowe apareceu na porta aberta. Ela olhou para
Sherlock e sorriu. Como sempre, ele se sentiu fascinado pela quantidade de
cores em torno dela – o vermelho do cabelo, o bronzeado da pele, as sardas
douradas no nariz e nas bochechas, o tom violeta dos olhos. Ela fazia as outras
garotas parecerem desenhos em preto e branco.
— Oi, pai?
— Tenho uma tarefa para você. Quero que vá buscar o menino
Arnatt naquele barco onde ele mora. Diga-lhe que preciso fazer algumas perguntas
sobre o que aconteceu hoje. Avise que ele não está encrencado, mas explique que
preciso de ajuda.
Ela assentiu.
— Quer que eu o traga na garupa de Sandia?
— Assim será mais rápido. O cavalo aguentará o peso sem nenhum
problema. O garoto é pequeno.
— Mas corajoso — Sherlock defendeu o amigo.
— Disso não tenho dúvida — Crowe respondeu. Depois olhou para
Virginia. — Não perca tempo.
Ela olhou Sherlock mais uma vez como se quisesse perguntar
alguma coisa, talvez convidá-lo a ir também, mas virou-se e partiu sem dizer
nada. Alguns momentos depois, Sherlock ouviu o relincho do cavalo, o tilintar
do metal dos arreios e, finalmente, o retumbar dos cascos batendo no chão, se
afastando rapidamente.
Crowe e Mycroft voltaram a discutir formas de atravessar o
Atlântico mais depressa do que os americanos. Tudo parecia depender do navio
que eles escolheriam e de qual porto zarpariam. Algumas embarcações eram mais
velozes que outras. Sherlock ouvia a conversa e compreendeu que alguns navios
mais novos não contavam apenas com o vento e as velas para atravessarem o
oceano – tinham também com poderosas máquinas a vapor que moviam rodas
gigantescas, como as de um moinho de água, com pás de madeira em toda a sua
circunferência. O motor fazia girar as rodas, e o movimento das pás na água
impelia o navio mesmo sem vento. Havia algum lugar onde a máquina a vapor não
podia ir, algum problema que não conseguia resolver? O que viria em seguida?
Carroças e carruagens movidas por essas máquinas dominando ruas e estradas,
levando pessoas de Londres a Liverpool em poucas horas? E talvez mais longe...
O homem um dia poderia chegar à Lua usando máquinas de propulsão a
vapor?
Balançando a cabeça para livrá-la desses pensamentos
inacreditáveis, ele voltou a ouvir o diálogo entre Mycroft e Amyus Crowe. Os
dois adultos discutiam política, viagens e revolução.
A conversa prosseguiu, e Sherlock às vezes a ouvia, às vezes
se distraía. Política era algo que ele não conseguia entender, embora, de vez
em quando, Crowe fizesse o assunto parecer mais interessante com um exemplo
prático, como o número de pessoas que haviam morrido em determinado período ou
local, ou como uma cidade específica que fora queimada por inimigos.
Depois de um tempo ele ouviu o som dos cascos batendo na
terra, aproximando-se rapidamente. Sherlock correu para a porta, ansioso para
rever Virginia e Matty.
Do lado de fora, à luz pálida do entardecer, ele viu Sandia
se aproximando. Em cima do cavalo, Virginia e Matty formavam um só contorno e
por um instante ele sentiu ciúmes da proximidade dos dois. Mas foi só por um
instante.
Porém, quando Sandia aproximou-se, Sherlock compreendeu que o
contorno era realmente de uma só pessoa. Virginia. Ela parou o cavalo diante da
casa, perto de Sherlock. Seus olhos refletiam apreensão, e os cabelos estavam
embaraçados pelo vento.
— Onde está Matty? — Sherlock perguntou.
Ela desmontou e passou por ele correndo, entrando na casa.
Sherlock a seguiu.
— Eles levaram Matty! — a menina gritou.
— Como assim? — Mycroft levantou-se repentinamente.
— Fui até o barco e o convenci a vir comigo — ela relatou
apressada. — Já estávamos a caminho daqui, na estrada, quando encontramos uma árvore
caída, impedindo a passagem. Ela não estava ali antes, eu juro. Pensei em
saltar o obstáculo, mas com Matty atrás, tive medo de não conseguir. Então,
parei para ver se conseguíamos mover o tronco. Foi quando os dois homens saíram
do bosque. Deviam estar escondidos. Um deles bateu na cabeça de Matty. Acho que
ele perdeu a consciência, porque parou de lutar. O outro tentou me pegar,
segurou meu cabelo, mas mordi a mão dele e aproveitei para correr. Pulei na
sela e fugi. Quando olhei para trás, os dois homens carregavam Matty. — Ela
estava pálida e nervosa. — Eu o deixei lá! — gritou, como se só nesse momento
percebesse o que estava acontecendo. — Devia ter voltado para resgatá-lo ou ter
ficado com ele.
— Se não tivesse fugido, eles a teriam capturado também —
Crowe respondeu. Ele se aproximou da filha e a abraçou. — Graças a Deus está
segura.
— Mas... e Matty? — gritou Sherlock.
— Vamos encontrá-lo — prometeu Mycroft. — É óbvio que...
Antes que conseguisse completar a frase, houve um estrondo de
vidros se quebrando e alguma coisa entrou pela janela, aterrissando no chão com
um baque. Crowe foi correndo abrir a porta. Sherlock ouviu o galope de um
cavalo se afastando. Crowe praguejou com violência. Foi uma explosão com
palavras que Sherlock nunca ouvira, embora pudesse deduzir seu significado.
Sherlock se abaixou para pegar o objeto que havia sido
arremessado pela janela. Era uma pedra bem grande, quase do tamanho de dois
punhos unidos. Em volta havia uma folha de papel presa com um barbante.
Mycroft pegou a pedra das mãos de Sherlock e a pôs sobre a
mesa. Rapidamente, pegou uma faca e cortou o fio.
— É melhor preservar os nós — disse a Sherlock sem se virar
para encará-lo. — Podem nos dizer coisas interessantes sobre o homem que os
fez. Marinheiros, por exemplo, usam toda uma coleção de nós espetaculares que a
população em geral desconhece. Se tiver alguns dias de folga, sugiro que
aproveite esse tempo para estudar nós.
Deixando o barbante de lado, possivelmente para uma análise
posterior, ele removeu o papel da pedra e o alisou sobre a mesa.
— É um aviso — disse a Crowe. — “Estamos com o menino. Pare
de nos perseguir. Não tente nos seguir. Se nos deixar em paz, ele será
devolvido daqui a três meses, ileso. Se insistirem, ele será devolvido também,
mas em pedaços e ao longo de algumas semanas. Estão avisados.”
Crowe amparava Virginia.
— Imaginam que Matty seja meu filho, é claro — ele disse —,
porque o viram no cavalo com Ginnie. Mas vão perceber o erro em breve, assim que
o ouvirem falar alguma coisa.
— Não necessariamente — respondeu Mycroft. — Eles não sabem
há quanto tempo você está na Inglaterra. Na verdade, não devem saber nem que
você é americano. Acho que o jovem Matthew está seguro, por enquanto. Muito
bem, o que podemos deduzir a partir do bilhete?
— Esqueça o bilhete! Temos que ir atrás deles! — Sherlock
gritou.
— O menino tem razão — Crowe resmungou. — Existe um tempo
para análise e um tempo para ação. Agora é hora de agir. — Ele se afastou de
Virginia com muita delicadeza. — Vocês ficam aqui. Nós vamos atrás deles.
— Eu também vou — Sherlock anunciou com determinação. Quando
Crowe abriu a boca para argumentar, ele disse: — Matty é meu amigo, e eu o meti
nessa encrenca. Além disso, mais gente pode cobrir um território maior em menos
tempo.
Crowe olhou para Mycroft, que deve ter assentido imperceptivelmente,
porque o tutor disse:
— Tudo bem, rapaz... Vamos partir agora.
Crowe se dirigiu à porta, e Sherlock o seguiu.
Do lado de fora, Crowe selou um cavalo e preparou outro para
Sherlock. Quando o menino montou, o tutor já se afastava a galope.
Sherlock o seguiu galopando também.
O sol descia para o horizonte velado por uma camada de nuvens
finas e era possível olhar diretamente para ele, como uma bola de luz vermelha.
Crowe continuava galopando. Sherlock se esforçava para acompanhá-lo. O impacto
dos cascos no solo reverberava na coluna do garoto, uma vibração constante que
dificultava a tarefa de encher completamente os pulmões com ar.
Como Crowe sabia em que direção seguir?, ele se perguntava.
Devia ter calculado rapidamente qual era a estrada mais provável para se sair
de Farnham em direção à costa. Southampton seria o local óbvio para a partida,
se queriam ir para a América. Mas Crowe podia estar enganado – os homens podiam
ter planos de embarcar em Liverpool, viajando de trem desde Londres, o que
significava que deixariam Farnham por outro local, e agora estariam indo por
outra direção. Pela primeira vez Sherlock percebeu que o raciocínio lógico
tinha limites, e só muito raramente produzia uma resposta única e definitiva.
Era mais frequente que houvesse várias respostas possíveis, o que tornava
necessário outro jeito de escolher entre elas. Podia ser intuição ou dedução,
mas não era lógica.
Casas iam ficando para trás depressa demais para serem
reconhecidas. Ao longe, Sherlock viu uma construção de pedras em uma colina:
Castelo Farnham, talvez? O vento assobiava em seus ouvidos e gelava suas
orelhas, apesar do calor daquele dia. Tinha a impressão de poder ouvir o eco do
retumbar dos cascos de seu cavalo, mas não havia nada que pudesse provocar esse
efeito. Sherlock olhou por cima do ombro e descobriu que Virginia os seguia.
Ela abriu um sorriso e ele retribuiu. Devia ter imaginado que ela não ficaria
longe da ação; Virginia era realmente diferente de todas as garotas que ele
conhecia.
Os três percorreram enfileirados a região de pequenos chalés.
Pessoas corriam para sair do caminho dos cavalos. Sherlock ouvia as vozes
alteradas que eles deixavam para trás. Adiante, a estrada estava vazia até onde
podiam vê-la, antes de uma curva acentuada esconder o próximo trecho. Por mais
quanto tempo Crowe continuaria cavalgando até perceber que seguiam na direção
errada?
Virginia alcançou Sherlock. Os olhos dela brilhavam. Sherlock
suspeitava de que ela se divertia, apesar da urgência da missão. Ela amava
cavalgar, e aquela era uma chance de se entregar à atividade como jamais fizera
antes.
Lá na frente, um tanto além do corpo largo e forte de Amyus
Crowe e de seu chapéu branco de aba larga, que continuava em sua cabeça apesar
da velocidade do galope, Sherlock de repente avistou uma carruagem. Ela
balançava perigosamente enquanto seguia pela estrada aos solavancos, as rodas
saindo do chão por alguns instantes em uma curva. Acima, Sherlock teve a
impressão de ver a linha fina de um chicote que exigia esforço máximo dos
cavalos. Estaria Matty naquela carruagem? O condutor parecia muito empenhado em
alcançar mais velocidade. Se não eram os americanos lá dentro, mais alguém
estava suficientemente desesperado para deixar Farnham, tão desesperado que
arriscava a vida por isso.
Sherlock também exigia mais velocidade do cavalo que
correspondia. A distância entre ele e Crowe ia diminuindo, e já era possível
enxergar melhor a carruagem. Tinha quatro rodas e era puxada por dois animais;
todo o conjunto balançava com força quando as rodas passavam por buracos, saliências
e pedras na estrada.
Virginia seguia à esquerda de Sherlock. Seus dentes estavam
expostos no que parecia ser um sorriso, mas que o garoto apostava ser na
verdade uma expressão de raiva e determinação.
Ele olhou para a direita, para o pai de Virginia. Os olhos
dele estavam fixos na carruagem adiante, e havia tamanha força naquele olhar
que por um momento Sherlock sentiu medo. Sempre pensara em Amyus Crowe como um
cavalheiro para quem a lógica e a observação dos fatos eram mais importantes
que tudo, mas Virginia já havia contado que o pai era um caçador de homens na
América, e que nem sempre os entregava vivos. Olhar para ele agora era
suficiente para acreditar nessa história. Nenhuma força na Terra podia deter um
homem com aquele olhar.
O cavalo de Crowe espumava, de tanto que ele exigia do
animal. Pequenas gotas eram levadas pelo vento para trás, para longe.
A estrada virava à direita, e a carruagem fez a curva sem
diminuir a velocidade. As duas rodas da direita saíram do chão e o veículo
quase tombou, mas os ocupantes devem ter jogado o peso para o lado contrário,
porque a carruagem de repente se inclinou e as rodas bateram novamente na
estrada.
Sherlock, Crowe e Virginia também fizeram a curva, os cavalos
inclinados para o canto para não derraparem. À frente, conforme eles ergueram o
corpo de novo, Sherlock viu uma carroça carregando feno recém-cortado indo em
direção à carruagem. O condutor gesticulava desesperado para fazer a carruagem
sair do caminho, mas deve ter percebido que era tarde demais, porque puxou as
rédeas e levou a carroça para fora da estrada, caindo em uma vala. A carruagem
nem ao menos reduziu a velocidade e não se chocou com a traseira da carroça por
centímetros. Momentos depois Sherlock, Crowe e Virginia também passaram
galopando pelo local. Sherlock olhou para o lado, para se certificar de que o
condutor estava bem. De pé, na frente da carroça, o homem gesticulava
furiosamente. Na velocidade em que o trio galopava, logo ele ficou para trás e
tornou-se apenas um fragmento de lembrança.
Um movimento na lateral da carruagem chamou a atenção de
Sherlock. Um homem se debruçou na janela com uma espécie de bastão nas mãos.
Sherlock achou que era um dos homens da casa em Godalming, mas não podia ter
certeza. O homem apontava o bastão para trás, na direção da estrada, e uma
chama brotou repentinamente da extremidade. Ele estava segurando um rifle!
Sherlock não saberia dizer para onde foi a bala. A carruagem
sacudia tanto na escuridão da noite que era impossível ter uma mira precisa,
mas isso não queria dizer que o homem não pudesse ter atingido um deles, ou um
dos cavalos, acidentalmente.
Outro tiro, e dessa vez Sherlock teve a impressão de ouvir o
zumbido da bala passando por ele; um zumbido furioso, como o de uma vespa
pronta para atacar.
Crowe tentou fazer o cavalo correr ainda mais e por um
momento conseguiu se aproximar da carruagem. Segurava a rédea com uma das mãos,
enquanto a outra estava no cinto da calça. Ele sacou a pistola e apontou-a para
o homem debruçado na janela. Então atirou, e o coice empurrou seu braço para
trás e deslocou seu corpo na sela. O homem com o rifle voltou para dentro da
carruagem. Sherlock não conseguia dizer se ele estava ferido ou apenas se
escondendo.
Agora eles corriam ao longo de um rio. Uma luz prateada era
refletida pela superfície da água.
O homem com o rifle apareceu outra vez, na mesma janela, mas
agora olhava para a frente. Ele apontou o rifle e puxou o gatilho. Mais uma
vez, a chama alaranjada brotou do cano como uma flor exótica no deserto.
Confuso, Sherlock chegou a pensar que ele atirava contra os cavalos que puxavam
a carruagem, mas os disparos passaram por cima da cabeça dos animais! Sherlock
então percebeu que ele queria assustar os cavalos, fazê-los correr ainda mais.
E o truque parecia estar surtindo o efeito desejado. A distância entre o
veículo e o trio que o perseguia aumentava rapidamente. Não conseguiriam manter
o ritmo por muito tempo, porque os animais ficariam exaustos, mas era evidente
que o homem tinha outra coisa em mente.
O atirador desapareceu mais uma vez dentro da carruagem, mas
só por um momento. De repente, a porta se abriu e ele se jogou. Havia calculado
a manobra com perfeição, porque caiu entre os juncos e o mato à margem do rio.
Não era possível vê-lo, mas Sherlock conseguia acompanhar seus movimentos pelas
brechas entre as plantas. Além disso, a vegetação alta o atrasava.
Crowe reduziu o galope por um momento, sem saber o que fazer,
mas decidiu seguir em frente, indo atrás da carruagem, não do fugitivo. Mas
Sherlock viu o homem emergir do meio dos juncos, ensopado e com ferimentos no
rosto, provocados pelo choque com as plantas.
Ele segurava o rifle nas mãos. Levantou-o quando Crowe se
aproximou, mirou cuidadosamente e disparou.
No mesmo instante em que o clarão brotou do cano da arma,
Crowe levantou os braços e caiu do cavalo, para trás. Seu ombro direito chegou
ao chão primeiro, e ele rolou pela estrada de terra algumas vezes antes de
ficar imóvel, coberto de poeira. A montaria seguiu adiante, mas sem Crowe para
manter o galope frenético o animal agora trotava devagar, diminuindo a
velocidade até que parou. O cavalo continuava olhando para a carruagem que se
afastava, como se tentasse entender o motivo de tanta pressa.
Virginia gritou:
— Pai!
Ela freou o cavalo e pulou da sela, correndo para perto do
homem caído na estrada, sem pensar no atirador que acompanhava seus movimentos.
E já levantava o rifle.
Tudo isso aconteceu no espaço de poucos segundos. Sherlock
enterrou os calcanhares nos flancos do animal, que se lançou para a frente.
— Abaixe-se! — ele gritou.
Virginia olhou por cima do ombro, viu o cavalo correndo em
sua direção e se jogou no chão. Quando ela rolou na terra, Sherlock puxou as
rédeas. O cavalo saltou sobre a menina, dando a impressão de voar, apesar da
gravidade.
As patas dianteiras tocaram o chão com força, o animal
tropeçou e no mesmo instante o segundo tiro soou. Sherlock nem ouviu o disparo.
Foi arremessado da sela, passando por cima da cabeça do animal. Sua mente
estava tomada por completo pela enormidade do chão que se aproximava depressa.
Foi como se o tempo se multiplicasse, e ele se descobriu tentando adivinhar se
racharia o crânio ou se quebraria as duas pernas primeiro. Alguma coisa o fez
se encolher, aproximar a cabeça do peito e envolvê-la com os braços, puxar os
joelhos até o abdome. Ele caiu e rolou pelo chão, sentindo as pedras ferirem
suas costelas, as costas e as pernas. O mundo rodava à sua volta, uma sequência
interminável de claro, escuro, claro. Ele perdeu o senso de direção. Não sabia
mais onde estava.
Depois de uma eternidade, Sherlock parou. Levantando a cabeça
com todo o cuidado, tentou descobrir onde havia parado. Tudo estava confuso,
nebuloso, e ele tinha a sensação de que parte de seu corpo ainda estava
rolando, rolando e rolando, apesar de as pedras sob suas mãos e joelhos
comprovarem que estava parado. Seu estômago se retorcia, e ele teve de fazer
esforço para não vomitar. Sentia muitos arranhões e cortes pelo corpo todo
arderem.
Já distante, a carruagem na qual Matty era mantido
prisioneiro desaparecia em uma nuvem de poeira.
Uma sombra caiu sobre ele. Sherlock levantou os olhos. O
homem com o rifle estava em pé a seu lado. Não tinha certeza, mas podia ser
aquele que ele vira inconsciente na casa, o que havia sido agredido por John
Wilkes Booth. Os outros o chamaram de Gilfillan. Sua cabeça tinha um curativo,
e seus olhos estavam cheios de ódio.
— Qual é o problema com vocês, garotos? — ele perguntou,
levantando o rifle. — Causaram mais confusão para nós na última semana do que
todo o Exército da União desde o fim da guerra!
— Devolva meu amigo — Sherlock rosnou, levantando-se
depressa.
— Você fala demais para alguém que vai estar morto em um
minuto — o homem respondeu sorrindo. — Pegamos o garoto para impedir que você e
o homem do chapéu branco viessem atrás de nós, mas parece que não funcionou.
Então vou ter que matar todo mundo agora e mandar um telegrama para Ives
dizendo que pode matar o garoto, já que não precisamos mais dele. — O homem
tirou o dedo do gatilho para mostrar o dorso da mão a Sherlock. Havia sangue, e
uma marca vermelha, que pareciam dentes, entre o polegar e o dedo indicador. —
Aquela garota me mordeu! — ele anunciou, incrédulo.
— Sim, aposto que isso acontece muito com você — Sherlock
respondeu, levando a mão às costas para remover as pedras que haviam ficado
grudadas em sua pele depois do tombo. Ele as arremessou contra Gilfillan,
atingindo-o no rosto e no olho esquerdo. O homem levou as duas mãos ao rosto
soltou o rifle, que quicou duas vezes no chão. Sherlock correu para pegar a
arma, mas o homem chutou-a para longe. Sua mão agarrou o cabelo de Sherlock e
torceu-o. Sherlock gritou com uma mistura de raiva e dor e atacou o homem com o
pé. A bota encontrou a canela de Gilfillan, que soltou seu cabelo. Sherlock
olhou em volta tentando encontrar o rifle. Ele e o americano viram a arma ao
mesmo tempo e mergulharam juntos na ânsia de pegá-la. Sherlock foi mais rápido,
segurando o cano da arma e rolando no chão enquanto o homem praguejava.
Os dois ficaram ali por um momento, sem fôlego. O homem limpou
a boca com as costas da mão.
— Você não tem coragem para isso — ele disse. — Vou pegar
esse rifle e dobrá-lo em volta de seu pescoço e sufocá-lo até arrancar a vida
desse seu corpo magrelo.
Ele deu um passo à frente, e Sherlock levantou o rifle em uma
atitude ameaçadora.
— Não... — disse.
O homem continuou se aproximando. Com um sorriso intimidante,
ele estendeu as mãos para agarrar Sherlock.
uhuuu vai lá Sherlock !! Solta as franga!! Não me decepciona! Da uns tiro nesse capeta.
ResponderExcluirNãaaaooo!! Matty!!! Virginia me lembra mto a Hazel de HDO! Amo. Como Hunter, fã de SPN formada em 12 temporadas, to lendo "Crowley" desde o primeiro livro. Não consigo evitar.
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