Escuridão
e silêncio dentro dessa escuridão.
Eragon
sentiu o corpo a deslizar até parar e depois... nada.
Conseguia
respirar mas o ar parecia viciado, sem vida, e
sempre
que tentava mexer-se a pressão sobre o feitiço aumentava.
Tocou
nas mentes de todos os que estavam consigo para se
certificar
de que conseguira salvá-los a todos. Elva estava
inconsciente
e Murtagh praticamente inconsciente, mas ambos
estavam
vivos, tal como os outros.
Era
a primeira vez que Eragon entrava em contato com a mente
de
Thorn, mas ao fazê-lo, o dragão vermelho pareceu retrair-se.
Os
seus pensamentos pareciam mais sombrios e distorcidos que os
de
Saphira, mas havia nele uma força e uma nobreza que
impressionou
Eragon.
Não
podemos manter este feitiço durante muito mais tempo,
disse
Umaroth, num tom de voz tenso.
Têm
de o manter, disse Eragon. Se não o fizerem, morreremos.
Passaram-se
mais alguns segundos.
Inesperadamente
uma luz inundou os olhos de Eragon e uma
explosão
assaltou-lhe os ouvidos.
Ele
encolheu-se e pestanejou enquanto os seus olhos se
adaptavam
à luz.
Através
do ar carregado de fumaça, viu uma enorme cratera
cintilante,
no lugar onde Galbatorix estivera. A pedra incandescente
pulsava
como carne viva, varrida à superfície por correntes de ar.
O
teto também brilhava e a imagem assustou-o. Era como se
estivessem
dentro de um gigantesco caldeirão.
Um
travo a ferro pairava no ar.
As
paredes da sala estavam rachadas e as colunas, os entalhes e
as
lanternas tinham sido pulverizados. Na parte de trás da sala
estava
o cadáver de Shruikan, cuja carne fora, em grande parte,
arrancada
dos ossos enegrecidos pela fuligem. A explosão
estilhaçara
as paredes de pedra, na parte da frente da sala, bem
como
as outras para lá destas, ao longo de mais de cem metros,
expondo
um verdadeiro labirinto de túneis e salas. As belas portas
douradas
que protegiam a entrada para a câmara tinham sido
arrancadas
das dobradiças e Eragon julgou ver a luz do dia, do
lado
oposto do corredor de quatrocentos metros que conduzia ao
exterior.
Ao
levantar-se, percebeu que a sua proteção continuava a
drenar
energia dos dragões, mas de uma forma menos rápida.
Um
pedaço de pedra, do tamanho de uma casa, caiu do teto e
aterrou
ao lado da cabeça de Shruikan, onde se estilhaçou numa
dúzia
de fragmentos. Em redor, as rachas nas paredes continuavam
a
alastrar, produzindo rangidos sinistros por toda a parte.
Arya
aproximou-se das duas crianças, agarrou o rapaz pela
cintura
e subiu para o dorso de Saphira com ele. Lá de cima,
apontou
para a menina e disse a Eragon:
—
Atira-ma!
Eragon
perdeu um instante a embainhar Brisingr, agarrando
depois
na menina e atirando-a a Arya, que a agarrou de braços
esticados.
Ele
virou-se e passou de lado por Elva, aproximando-se
apressadamente
de Nasuada.
—
Jierda! — disse ele, colocando a mão sobre as grilhetas que a
prendiam
ao bloco de pedra cinzenta. O feitiço pareceu não
produzir
qualquer efeito, por isso ele quebrou-o de imediato, antes
que
lhe consumisse demasiada energia.
Nasuada
fez um ruído insistente e Eragon tirou-lhe o pano com
nós
que ela tinha na boca.
—
Tens de encontrar a chave! — disse ela. — O carcereiro de
Galbatorix
tem-na com ele.
—
Jamais o conseguiremos encontrar a tempo! — Eragon voltou a
desembainhar
Brisingr e golpeou a corrente ligada à grilheta que lhe
prendia
a mão esquerda. A espada ricocheteou nos elos, com uma
reverberação
áspera, sem sequer arranhar o metal baço. Golpeoua
uma
segunda vez, mas a espada parecia não afetar minimamente a
corrente.
Outro
pedaço de pedra caiu do teto, batendo ruidosamente no
chão.
Uma
mão agarrou-lhe o braço. Ele virou-se e viu Murtagh atrás
de
si, apertando o ferimento no estômago com o braço.
—
Desvia-te! — rugiu ele e Eragon assim o fez. Murtagh proferiu o
nome
de todos os nomes, tal como fizera antes, dizendo depois a
palavra
jierda. E as grilhetas de ferro abriram-se, caindo dos
membros
de Nasuada.
Murtagh
agarrou-lhe no pulso e guiou-a na direção de Thorn.
Depois
do primeiro passo, Nasuada deslizou para baixo do seu
braço,
deixando que Murtagh apoiasse o peso do corpo sobre os
seus
ombros.
Eragon
abriu a boca, fechando-a de seguida. Guardaria as
perguntas
para mais tarde.
—
Espera! — gritou Arya, saltando de cima de Saphira e correndo
na
direção de Murtagh. — Onde está o ovo e os Eldunarís? Não os
podemos
deixar aqui!
Murtagh
franziu a sobrancelha e Eragon sentiu a informação fluir
entre
ele e Arya.
Arya
virou-se, com o cabelo queimado a esvoaçar, e correu
para
uma entrada do lado oposto da sala.
—
É demasiado perigoso! — gritou-lhe Eragon. — Este sítio está a
cair!
Arya!
Vai,
disse ela. Leva as crianças para um local seguro. Vai! Não
tens
muito tempo!
Eragon
praguejou. “Ao menos poderia ter levado Glaedr com
ela.”
Voltou a embainhar Brisingr e curvou-se, pegando em Elva,
que
começava a mexer-se.
—
O que se passa? — perguntou ela a Eragon enquanto este a
levava
para o dorso de Saphira, para trás das outras duas crianças.
—
Vamos embora — disse ele. — Segura-te!
Saphira
estava já em movimento. Contornou a cratera,
coxeando
um pouco da pata ferida e Thorn seguiu-a de perto, com
Murtagh
e Nasuada no dorso.
—
Cuidado! — gritou Eragon, ao ver um pedaço do teto cintilante
a
soltar-se, mesmo por cima deles.
Saphira
desviou-se de repente para a esquerda e o pedaço
aguçado
de pedra aterrou junto dela, projetando lascas cor de
palha
em todas as direções. Uma delas atingiu Eragon no flanco,
alojando-se
na sua cota de malha. Ele tirou-a e lançou-a fora. Tinha
fumo
a ondular dos dedos das luvas e cheirou-lhe a cabedal
queimado.
Caíram mais pedaços de pedra noutros pontos da sala.
Quando
Saphira chegou à entrada do corredor, Eragon torceuse
e
olhou para Murtagh que vinha atrás.
—
E as armadilhas? — gritou ele.
Murtagh
abanou a cabeça e fez-lhes sinal para que
prosseguissem.
Grande
parte do chão, ao longo do corredor, estava coberto de
grandes
quantidades de pedras partidas, o que atrasou os dragões.
Eragon
conseguia ver as salas e os túneis esventrados pela
explosão,
atafulhados de entulho. Dentro deles ardiam mesas,
cadeiras
e outras peças de mobiliário. Viam-se membros de mortos
e
moribundos, torcidos em ângulos estranhos, que saíam debaixo
das
pedras tombadas e, de vez em quando, um rosto ou uma nuca.
Eragon
procurou Blödhgarm e os outros feiticeiros, mas não viu
qualquer
sinal deles, mortos ou vivos.
Mais
à frente, no corredor, centenas de pessoas — tanto
soldados
como criados — saíam pelas entradas contíguas, correndo
para
a entrada do corredor, agora escancarada. Muitos deles
tinham
os membros partidos, queimaduras, arranhões e outros
ferimentos.
Os sobreviventes desviaram-se para dar passagem a
Saphira
e a Thorn mas, tirando isso, não deram atenção aos
dragões.
Saphira
estava quase ao fundo do corredor, quando ouviram um
estrondo
atroador atrás deles. Eragon olhou e viu que a sala do
trono
se desmoronara, soterrando o chão da câmara sob um
amontoado
de pedras de quinze metros de altura.
“Arya!”,
pensou Eragon. Tentou encontrá-la com a sua mente,
mas
não conseguiu. Ou tinham demasiados destroços entre si, ou
um
dos feitiços associados ao penhasco minado estava a bloquear
a
comunicação. Ou então — e essa era a hipótese que menos lhe
agradava
— Arya estava morta. Ela não se encontrava na sala
quando
esta se desmoronara, disso ele tinha a certeza. Mas será
que
conseguiria ela encontrar o caminho de volta, agora que a sala
do
trono estava obstruída?
Ao
saírem da cidadela, o ar clareou e Eragon conseguiu ver a
destruição
que a explosão semeara por Urû’baen. Tinha arrancado
o
telhado de ardósia de muitos dos edifícios mais próximos e
incendiado
as vigas por baixo. Inúmeros fogos salpicavam o resto
da
cidade. Colunas e filamentos de fumaça erguiam-se no ar até
colidirem
com o teto da saliência, por cima da cidade, onde se
acumulavam,
fluindo pela superfície inclinada da pedra, como água
no
leito de um riacho. No extremo sudoeste da cidade, a fumaça
apanhou
a luz da manhã que se escoava de um dos lados da
saliência,
brilhando com a cor vermelha-alaranjada de uma opala
de
fogo.
O
povo de Urû’baen fugia das suas casas, percorrendo as ruas
em
direção ao buraco na muralha exterior. Os soldados e os
criados
da cidadela apressaram o passo para se reunirem a eles,
dando
um amplo espaço de manobra a Saphira e a Thorn,
enquanto
atravessavam o pátio em frente da fortaleza. Eragon não
lhes
deu grande atenção. Desde que se comportassem
pacificamente,
pouco lhe importava o que fizessem.
Saphira
parou a meio do pátio quadrangular e Eragon
transportou
Elva e as duas crianças sem nome para o chão.
—
Sabem onde estão os vossos pais? — perguntou ele,
ajoelhando-se
junto dos irmãos.
Eles
acenaram com a cabeça e o rapaz apontou para uma
grande
casa, do lado esquerdo do pátio.
—
É ali que vivem?
O
rapaz voltou a acenar com a cabeça.
—
Então, vão — disse Eragon, empurrando-os delicadamente. E
as
crianças correram de imediato pelo pátio, em direção ao edifício.
As
portas da casa abriram-se, de repente, e um homem careca,
com
uma espada, saiu para o exterior, envolvendo-os a ambos nos
braços.
Olhou de relance para Eragon, apressando-se a guiar as
crianças
para dentro.
Esta
foi fácil, disse Eragon a Saphira.
Galbatorix
deve ter mandado os seus homens procurar as crias
que
estivessem mais à mão, respondeu ela, pois não lhe demos
tempo
para muito mais.
Suponho
que não.
Thorn
estava a alguns metros de Saphira. Nasuada ajudou
Murtagh
a desmontar e este encostou-se à barriga de Thorn.
Depois,
Eragon ouviu-o a recitar feitiços de cura.
Eragon
tratou também dos ferimentos de Saphira, ignorando os
seus,
pois os dela eram mais graves. O golpe na pata dianteira,
esquerda,
era mais largo do que as suas duas mãos juntas, e ela já
tinha
uma poça de sangue em torno da pata.
Dentes
ou garras?, perguntou ele, ao examinar o ferimento.
Garras,
disse ela.
Eragon
usou a energia de Saphira, bem como a de Glaedr para
lhe
curar o ferimento. Quando terminou, concentrou-se nos seus
ferimentos,
começando pela dor ardente que sentia ao longo do
flanco,
onde Murtagh o trespassara.
Mesmo
enquanto trabalhava, ficou de olho em Murtagh, e viu-o
sarar
o seu ferimento no ventre, a asa partida de Thorn e os outros
golpes
do dragão. Nasuada ficou sempre junto dele, com a mão no
seu
ombro. Eragon vira-o recuperar Zar’roc, à saída da sala do
trono.
Eragon
concentrou-se depois em Elva, que estava ali perto.
Parecia
dorida, mas não viu sangue.
—
Você está ferida? — perguntou ele.
Ela
franziu a testa e abanou a cabeça.
—
Não, mas muitos deles estão — respondeu-lhe, apontando para
as
pessoas que fugiam da cidadela.
—
Mmm. — Eragon voltou a olhar de relance para Murtagh. Ele e
Nasuada
estavam agora de pé, e falavam um com o outro.
Nasuada
franziu a sobrancelha.
Depois
Murtagh esticou o braço, agarrou-lhe na gola da túnica e
puxou-a
para o lado, rasgando-lhe o tecido.
Eragon
já tinha desembainhado Brisingr até meio, quando viu a
teia
de vergões por baixo da clavícula de Nasuada. Aquela visão
atingiu-o
como um soco, recordando-lhe os ferimentos de Arya,
quando
ele e Murtagh a tinham resgatado de Gil’ead.
Nasuada
acenou e baixou a cabeça.
Murtagh
começou de novo a falar, desta vez na língua antiga.
Colocou
as mãos sobre as diferentes partes do corpo de Nasuada,
tocando-lhe
delicadamente — hesitante, até —, e a sua expressão de
alívio
foi o suficiente para Eragon perceber as dores que ela sentia.
Eragon
observou-os durante mais uns instantes e foi percorrido
por
uma súbita vaga de emoção. Os seus joelhos fraquejaram e ele
sentou-se
sobre a pata direita de Saphira. Esta baixou a cabeça,
tocando-lhe
ao de leve no ombro, com o focinho, e ele encostou a
cabeça.
Conseguimos,
disse ela, em voz baixa.
Conseguimos,
disse ele, nem acreditando nas próprias palavras.
Eragon
sentiu que Saphira estava a pensar na morte de Shruikan.
Por
muito perigoso que o dragão fosse, ela não podia deixar de
chorar
a morte de um dos últimos membros da sua raça.
Eragon
agarrou-se às suas escamas. Sentia-se leve, quase
estonteado,
como se fosse flutuar para longe da superfície terrestre.
E
agora?...
Agora
reconstruímos, disse Glaedr, cujas emoções eram uma
curiosa
mistura de satisfação, mágoa e cansaço. Portaste-te bem,
Eragon.
Ninguém se lembraria de atacar Galbatorix como você o
fizeste.
Eu
só queria que ele entendesse, murmurou ele, num tom
fatigado.
Se Glaedr o ouviu, decidiu não responder.
O
traidor está finalmente morto, alardeou Umaroth.
Parecia
impossível que Galbatorix já não existisse. Ao pensar no
assunto,
algo pareceu desbloquear-se na sua mente e Eragon
recordou
tudo o que acontecera no Cofre das Almas, como se
nunca
o tivesse esquecido.
Sentiu
um formigueiro a percorrer-lhe o corpo.
Saphira...
Eu
sei, disse ela, com um entusiasmo crescente. Os ovos!
Eragon
sorriu. Ovos! Ovos de dragão! A sua raça já não iria
mergulhar
no vazio. Iriam sobreviver, florescer e recuperar a antiga
glória,
anterior à queda dos Cavaleiros.
Depois,
Eragon foi assaltado por uma horrível suspeita.
Fizeram-nos
esquecer mais alguma coisa?, perguntou ele a
Umaroth.
Se
o fizemos, como poderíamos saber?, respondeu o dragão
branco.
—
Olha! — gritou Elva, apontando.
Eragon
virou-se e viu Arya a sair das entranhas sombrias da
cidadela.
Blödhgarm e os outros feiticeiros estavam com ela,
contundidos
e arranhados, mas vivos. Arya trazia nos braços um
baú
de madeira com fechos de ouro. Uma longa fila de caixas
metálicas
— cada uma do tamanho de uma carroça — flutuavam atrás
dos
elfos, a alguns centímetros do chão.
Exultante,
Eragon levantou-se num salto e correu para eles.
—
Estão vivos! — disse, surpreendendo Blödhgarm, ao agarrar-se
ao
elfo coberto de pelo, e abraçou-o.
Blödhgarm
fitou-o por instantes, com os seus olhos amarelos, e
depois
sorriu, mostrando os caninos.
—
Estamos vivos, Matador de Espectros.
—
Isso são os... Eldunarís? — perguntou Eragon, proferindo a
palavra
num tom suave.
Arya
acenou afirmativamente.
—
Estavam no tesouro de Galbatorix. Teremos de lá voltar um
dia,
pois há muitas coisas maravilhosas escondidas.
—
Como estão eles? Os Eldunarís, quero dizer.
—
Confusos. Levarão anos a recuperar, se o conseguirem.
—
E isso é... — Eragon apontou para o baú que ela trazia. Arya
olhou
em redor, certificando-se de que ninguém estava
suficientemente
perto para ver, e levantou a tampa à altura de um
dedo.
Lá dentro, aninhado em veludo, Eragon viu um belo ovo de
dragão,
verde, com uma teia de veios brancos.
A
alegria estampada no rosto de Arya iluminou o coração de
Eragon.
Ele sorriu e acenou aos outros Elfos. Quando todos se
reuniram
em torno dele, Eragon sussurrou na língua antiga, falandolhes
acerca
dos ovos que estavam em Vroengard.
Eles
não gritaram nem riram, mas os seus olhos brilharam e
todos
vibraram de excitação. Ainda a sorrir, Eragon saltou sobre os
calcanhares,
encantado com a reação deles.
Depois
Saphira disse:
Eragon!
Ao
mesmo tempo Arya franziu a sobrancelha e interpelou:
—
Onde estão Thorn e Murtagh?
Eragon
desviou o olhar e viu Nasuada sozinha no pátio. Junto
dela
estava um par de alforges que Eragon não se lembrava de ver
em
Thorn. O vento varreu o pátio e ele ouviu o som de asas, mas
nem
Murtagh nem Thorn estavam visíveis.
Eragon
projetou os seus pensamentos para o local onde achava
que
eles poderiam estar e sentiu-os de imediato, pois as suas
mentes
não se encontravam escondidas. No entanto, recusaram-se
a
falar com ele ou a ouvi-lo.
—
Raios —murmurou Eragon, correndo na direção de Nasuada.
Ela
tinha lágrimas nas faces e parecia prestes a perder a
compostura.
—
Onde vão eles?
—
Vão-se embora. — O seu queixo tremeu. Depois respirou
fundo,
expirou e endireitou-se.
Praguejando
de novo, Eragon curvou-se e abriu os alforges.
Dentro
deles havia vários Eldunarís pequenos, em caixas
acolchoadas.
—
Arya! Blödhgarm! — gritou ele, apontado para os alforges, e os
dois
elfos acenaram com a cabeça.
Eragon
correu para junto de Saphira. Não teve de se explicar
pois
ela entendeu-o. Enquanto subia para o seu dorso, Saphira
abriu
as asas, e logo que ele se instalou na sela, levantou voo.
Ouviram-se
vivas pela cidade, quando os Varden a viram.
Saphira
batia as asas velozmente, seguindo o rasto almiscarado
de
Thorn. Este conduziu-a para Sul, para fora da sombra da
saliência,
descrevendo depois uma curva ascendente. Contornou o
grande
afloramento de pedra e seguiu para Norte, em direção ao
Rio
Ramr.
Durante
vários quilômetros o rasto seguia a direito e sempre
nivelado.
Mas, quando estavam prestes a sobrevoar o amplo rio,
ladeado
de árvores, o rasto começou a descer.
Eragon
estudou o solo mais adiante e viu um lampejo vermelho,
junto
do sopé de uma pequena colina, do outro lado do rio.
Para
ali, disse ele a Saphira, mas ela já tinha avistado Thorn.
Saphira
desceu em espiral e aterrou suavemente no topo da
colina,
onde tinha a vantagem da altura. O ar perto da água era
fresco
e húmido, arrastando consigo o cheiro a musgo, lama e
seiva.
Entre a colina e o rio havia um mar de urtigas. A abundância
de
plantas era tão cerrada que a única forma de passar através
delas
seria abrindo um trilho. As folhas escuras e serrilhadas
roçavam
umas nas outras, produzindo um sussurro suave que se
misturava
com o ruído da água a correr no rio.
No
limiar das urtigas estava Thorn. Murtagh estava junto dele a
ajustar
a correia da sela.
Eragon
desprendeu Brisingr do cinto e aproximou-se
cautelosamente.
Murtagh
disse sem se virar:
—
Vieste deter-nos?
—
Depende. Para onde vão?
—
Não sei. Talvez para Norte... algures para longe das pessoas.
—
Podias ficar.
Murtagh
deixou escapar uma gargalhada amarga.
—
você sabes que não. Só daria problemas a Nasuada. Além
disso,
os Anões jamais iriam concordar. Depois de eu matar
Hrothgar,
nunca. — E olhou Eragon por cima do ombro. —
Galbatorix
costumava chamar-me Assassino de Reis. Agora
também
você és um Assassino de Reis.
—
Parece que é de família.
—
Nesse caso, é melhor ficares de olho em Roran... Arya é uma
Assassina
de Dragões. Matar um dragão não deve ser nada fácil
para
ela... sendo um elfo. Devias falar com ela para teres a certeza
de
que está bem.
Eragon
ficou impressionado com a perceção de Murtagh.
—
Falarei.
—
Pronto — disse Murtagh, dando um puxão à correia. Depois
virou-se
para encarar Eragon, que reparou que ele segurava
Zar’roc
junto ao corpo, desembainhada e pronta a usar.
—
Volto a perguntar, vieste deter-nos?
—
Não.
Murtagh
sorriu ligeiramente e embainhou Zar’roc.
—
Ótimo. Não gostaria de ter de lutar contigo de novo.
—
Como conseguiste libertar-te de Galbatorix? Foi o teu
verdadeiro
nome, não foi?
Murtagh
anuiu.
—
Como te disse, eu já não sou... nós já não somos o que
éramos
— e tocou no flanco de Thorn. — Só que demorámos um
pouco
a entendê-lo.
—
E Nasuada.
Murtagh
franziu a sobrancelha e desviou o olhar, fixando-o em
frente
sobre o mar de urtigas. Eragon reuniu-se a ele e Murtagh
disse
em voz baixa:
—
Lembras-te da última vez que estivemos neste rio?
—
Seria difícil de esquecer. Ainda consigo ouvir os cavalos a
relinchar.
—
Tu, Saphira, Arya e eu, todos juntos, confiantes de que nada
nos
poderia deter...
Num
recanto remoto da sua mente, Eragon conseguia sentir
Saphira
e Thorn a falarem um com o outro. Saphira iria certamente
contar-lhe
o que se passara, mais tarde.
—
O que vais fazer? — perguntou ele a Murtagh.
—
Sentar-me e pensar. Talvez construa um castelo. Tenho tempo
para
isso.
—
Não tens de partir. Eu sei que seria ... difícil, mas tens família
aqui:
tens-me a mim e a Roran. Ele também é teu primo...
Pertences
tanto a Carvahall e ao Vale de Palancar como a
Urû’baen.
Talvez até mais.
Murtagh
abanou a cabeça e continuou a olhar em frente, para lá
das
urtigas.
—
Não iria resultar. Thorn e eu precisamos de passar algum
tempo
sozinhos, precisamos de tempo para sarar. Se ficássemos,
iríamos
estar demasiado ocupados para tirarmos as nossas próprias
conclusões.
—
Mantermo-nos ocupados e em boa companhia costuma ser
uma
boa cura para as doenças da alma.
—
Não para o que Galbatorix nos fez... Além disso seria
doloroso
ficar perto de Nasuada, agora. Tanto para ela como para
mim.
Não, tenho de partir.
—
Quanto tempo achas que ficarás ausente?
—
Até o mundo não nos parecer tão odioso e já não sentirmos
vontade
de destruir montanhas e de encher o mar de sangue.
Eragon
não tinha resposta. Ficaram ambos a olhar para uma
parte
do rio atrás, com uma fiada de bétulas baixas. O vento que
soprava
em direção a Oeste agitou mais as urtigas.
Depois
Eragon disse:
—
Quando já não quiseres estar sozinho, vem à nossa procura.
Serás
sempre bem-vindo à nossa lareira, seja lá onde for.
—
Viremos, prometo. — E para sua surpresa, Eragon viu um
brilho
nos olhos de Murtagh, que desapareceu, um instante depois.
—
Nunca pensei que o conseguisses... mas estou feliz pelo fato
de
o teres feito, sabes?
—
Tive sorte. E jamais teria sido possível sem a tua ajuda.
—
Ainda assim... descobriste os Eldunarís nos alforges?
Eragon
acenou afirmativamente.
—
Ótimo.
Contamos-lhes?,
perguntou Eragon a Saphira, na esperança que
ela
concordasse.
Ela
ponderou por uns instantes.
Sim,
mas não digas onde. você contas-lhe a ele e eu conto a
Thorn.
Como
queiras. Depois, dirigindo-se a Murtagh, Eragon disse:
—
Há uma coisa que acho que devias saber.
Murtagh
olhou-o de soslaio.
—
O ovo que Galbatorix tinha... não é o único em Alagaësia. Há
mais
escondidos no mesmo sítio onde encontrámos os Eldunarís
que
trouxemos connosco.
Murtagh
virou-se para ele, visivelmente incrédulo. Thorn, por
seu
turno, arqueou o pescoço, deixando escapar um urro de alegria
que
assustou um bando de andorinhas que estava nos ramos de
uma
árvore, ali perto.
—
Quantos?
—
Centenas.
Por
instantes Murtagh mostrou-se incapaz de falar, mas depois
disse:
—
O que vais fazer com eles?
—
Eu? Acho que Saphira e os Eldunarís devem ter alguma coisa
a
dizer sobre isso. Provavelmente, encontrar um lugar seguro para
os
ovos chocarem e recomeçar a reunir os Cavaleiros.
—
És você e Saphira que os vão treinar?
Eragon
encolheu os ombros.
—
Tenho a certeza de que os Elfos ajudarão. você também os
poderias
treinar, se te reunires a nós.
Murtagh
inclinou a cabeça para trás e respirou fundo.
—
Os dragões vão regressar e os Cavaleiros também — disse,
rindo
baixinho. — O mundo está prestes a mudar.
—
Já mudou.
—
Sim. você e Saphira tornar-se-ão os novos líderes dos
Cavaleiros,
enquanto Thorn e eu viveremos em ambiente selvagem.
—
Eragon tentou dizer algo para o consolar, mas Murtagh impediu-o
com
um olhar. — Não. As coisas estão como deveriam estar. você e
Saphira
serão melhores professores do que nós.
—
Não tenho tantas certezas disso.
—
Mmm... Promete-me um coisa.
—
O quê?
—
Quando os ensinares... ensina-os a não terem medo. O medo
é
bom em pequenas doses. Mas, quando este nos massacra
constantemente,
impede-nos de ser quem somos e de fazer o que
sabemos
que está certo.
—
Tentarei.
Eragon
reparou que Saphira e Thorn já não estavam a falar. O
dragão
vermelho mudou de posição e contornou-a até poder olhar
para
Eragon. Depois disse através da mente, num tom
surpreendentemente
musical:
Obrigado
por não teres matado o meu Cavaleiro, Eragon, irmão
de
Murtagh.
—
Sim, obrigado — disse Murtagh, secamente.
—
Ainda bem que não tive de o fazer — disse Eragon, fitando o
olho
cintilante, cor de sangue, de Thorn.
O
dragão resfolgou e, depois, curvou-se, tocou no alto da
cabeça
de Eragon, roçando ao de leve as escamas pelo elmo.
Que
apanhes sempre vento e sol de feição.
—
Igualmente.
Uma
profunda sensação de raiva, mágoa e ambivalência invadiu
a
sua mente. Eragon sentiu a consciência de Glaedr envolvê-lo a ele
e,
aparentemente, a Murtagh e Thorn, pois estes ficaram tensos,
como
se previssem uma querela. Eragon esquecera-se que Glaedr
estava
presente e os estava a ouvir, tal como os outros Eldunarís
escondidos
na bolsa de espaço invisível.
Quem
me dera poder agradecer-te pelo mesmo, disse Glaedr,
num
tom mais amargo que a galha de um carvalho. Mataste o meu
corpo
e o meu Cavaleiro. A afirmação era franca e simples, o que a
tornava
ainda mais terrível.
Murtagh
disse algo em pensamento, mas Eragon não soube o
que
era, pois tinha sido dirigido unicamente a Glaedr, e ele apenas
acedia
às reações de Glaedr.
Não,
não posso, disse o dragão dourado. Contudo, entendo que
foi
Galbatorix que te levou a fazê-lo e que foi ele que conduziu o
teu
braço, Murtagh... Não posso perdoar, mas Galbatorix está
morto
e o meu desejo de vingança morreu com ele. O teu caminho
sempre
foi duro, desde que nasceste, mas hoje demonstraste que
as
tuas desventuras não te vergaram. Viraste-te contra Galbatorix,
quando
isso te poderia ter valido apenas dor, e ao fazê-lo
permitiste
que Eragon o matasse. Hoje, você e Thorn provaram
merecer
em pleno o título de Shur’tugal, embora nunca recebessem
a
instrução nem a orientação necessárias. Isso é... admirável.
Murtagh
curvou ligeiramente a cabeça e Thorn disse:
Obrigado,
Ebrithil, e Eragon ouviu. O fato de Thorn usar o
título
honorífico de ebrithil, pareceu assustar Murtagh, pois este
olhou
para o dragão e abriu a boca como se quisesse dizer algo.
Depois
Umaroth acrescentou:
Sabemos
de todas as dificuldades que passaram, pois
observámo-vos
à distância, tal como observámos Eragon e
Saphira.
E há muitas coisas que vos poderemos ensinar logo que
estejam
preparados, mas até lá, saibam o seguinte: nas vossas
viagens,
evitem os túmulos de Anghelm, onde jaz o corpo do único
rei
Urgal, Kulharvek. Evitem as ruínas de Vroengard e de El-harím.
Acautelem-se
com as profundezas e não caminhem por locais onde
o
solo é negro e frágil, e o ar cheira a enxofre, pois o Mal está à
espreita
nesses locais. Se seguirem este conselho, não encontrarão
perigos
que não estejam ao vosso alcance enfrentar, a menos que
sejam
alvo de um grande infortúnio.
Murtagh
e Thorn agradeceram a Umaroth. Depois Murtagh
olhou
na direção de Urû’baen e disse:
—
É melhor irmos andando. — Voltou a olhar para Eragon. —
Consegues
agora lembrar-te do nome da língua antiga, ou a magia
de
Galbatorix ainda te está a confundir?
—
Quase que consigo, mas... — Eragon abanou a cabeça,
frustrado.
Depois
Murtagh proferiu o nome dos nomes duas vezes:
primeiro
para remover o feitiço do esquecimento que Galbatorix
lançara
sobre Eragon e depois, uma vez mais, para que Eragon e
Saphira
ficassem a sabê-lo.
—
Não o partilharia com mais ninguém — disse ele. — Se todos os
feiticeiros
soubessem o nome da língua antiga, esta deixaria de ter
qualquer
valor.
Eragon
concordou, acenando com a cabeça.
Depois
Murtagh estendeu a mão e Eragon agarrou-lhe o
antebraço.
Ficaram assim por instantes, a olhar um para o outro.
—
Tem cuidado — disse Eragon.
—
você também... Irmão.
Eragon
hesitou e voltou a acenar com a cabeça:
—
Irmão.
Murtagh
verificou mais uma vez as correias dos arreios de Thorn
antes
de trepar para a sela. Quando Thorn abriu as asas e começou
a
afastar-se, Murtagh gritou:
—
Protege bem Nasuada. Galbatorix tinha muitos servos, mais do
que
me revelou, e nem todos estavam ligados a ele apenas por
magia.
Eles procurarão vingar-se da morte do seu amo. Mantém-te
vigilante.
Há alguns, entre eles, que são ainda mais perigosos que os
Ra’zac!
Depois
ergueu um braço para se despedir e Eragon fez o
mesmo.
Thorn deu três longas passadas para fora do mar de urtigas
e
levantou voo, deixando um rasto de sulcos na terra macia.
O
cintilante dragão vermelho voou uma, duas, três vezes em
círculo
sobre eles e depois virou para Norte, batendo as asas a um
ritmo
lento e constante.
Eragon
reuniu-se a Saphira, no topo da pequena colina, e juntos
ficaram
a ver Thorn e Murtagh a afastarem-se, diminuindo à
distância
até se reduzirem a um ponto brilhante, perto do horizonte.
Uma
sensação de tristeza invadiu-os. Eragon ocupou o seu lugar
no
dorso de Saphira e os dois partiram da colina de regresso a
Urû’baen.
Emoção define 😭
ResponderExcluirAquele momento q vc descobre q o personagem q mais se apegou vai embora (não me julguem)... :'(
ResponderExcluirSei o que vc tá sentindo. Também gostava do Murtagh
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