LILITH
Treze dias
Lilith não
esperava que seu mundo fosse mudar após a apresentação no sarau. E não mudou
mesmo.
Não muito.
A vida ainda era
uma porcaria.
— Lilith? —
gritou a mãe, antes mesmo de o despertador tocar. — Cadê aquele meu cardigã alaranjado
com cotoveleiras de estampa de oncinha?
Lilith resmungou
qualquer coisa e enterrou a cabeça sob o travesseiro.
— O esquadrão da
moda passou ontem aqui pra dar um fim nele — murmurou para si. — Esse cardigã
era uma ameaça à sociedade.
Três pancadas
rápidas na porta aberta do quarto fizeram a cabeça de Lilith emergir. Era seu
irmão.
— E aí, Bruce! —
disse ao garoto de cabelo revolto, que mastigava um waffle congelado.
— Mamãe tá
achando que você roubou aquele suéter amarelo vagabundo superchique. E tá
ficando meio parecida com o Incrível Hulk por causa disso.
— Ela acha mesmo
que eu ia pagar o mico de sair por aí com um troço que parece uma calêndula ambulante?
— perguntou Lilith, e Bruce riu. — Como é que estão as coisas, carinha?
Bruce deu de
ombros.
— Tudo indo.
As pessoas
geralmente chamavam o irmão caçula de Lilith de frágil porque ele era muito
magro e pálido. Mas Bruce era a força mais poderosa na vida de Lilith. Ele não
perdia as esperanças nunca. Era divertido simplesmente ficar com ele no sofá,
vendo o tempo passar. Ela gostaria que Bruce tivesse uma vida melhor.
— Só indo? —
perguntou, sentando-se na cama.
Bruce deu de
ombros.
— Nada de mais.
Meu nível de oxigênio está baixo hoje, então tenho de ficar em casa de novo — suspirou
ele. — Você tem sorte.
Uma risada brutal
escapou dos lábios de Lilith.
— Eu tenho
sorte!?
— Você pode ir
pra aula todo dia, ficar com seus amigos.
Bruce era tão
franco que Lilith não conseguia nem pensar em lhe dar uma descrição completa de
todas as formas como a escola inteira a odiava.
— Meu único amigo
é Alastor — acrescentou Bruce, e, ao ouvir seu nome, o cachorrinho apareceu trotando
no quarto de Lilith. — E tudo que ele faz é cocô no tapete.
— Não, não, não!
— Lilith afugentou o vira-latas antes que ele arruinasse uma pilha de roupas limpas
que ainda não haviam sido dobradas. Seu único par de jeans limpo estava ali. A
caminho do banheiro, ela tocou no ombro do irmão. — Talvez seu nível de
oxigênio melhore amanhã. Sempre existe esperança!
Quando entrou
debaixo do chuveiro — a água tinha voltado, mas desde o fechamento do registro geral,
fedia a ferrugem — pensou no que dissera a Bruce. Desde quando Lilith
acreditava que sempre existia esperança
de que amanhã seria melhor?
Provavelmente ela
falou isso porque tentava levantar o astral dele. Seu irmão aflorava o lado humano
de Lilith, um que todas as outras pessoas desconheciam. Bruce tinha um coração
tão bom e saía de casa tão raramente que só Lilith e sua mãe sentiam sua
ternura. Para Lilith, era virtualmente impossível sentir pena de si mesma
quando estava com ele.
Enquanto se vestia,
Lilith fechou a porta e cantarolou a música que havia entoado na noite
anterior. O que, sem querer, a fez pensar no desejo que notou nos olhos de Cam
quando ele lhe entregou o violão. Como se ela tivesse alguma importância para
ele. Como se ele precisasse dela... ou de algo dela.
Lilith fez uma
careta. Independentemente do que Cam quisesse, ela não iria ceder.
— Sai da frente, poser! — Um jogador de futebol americano
cabeçudo empurrou Lilith para o lado, sobre uma fileira de armários velhos de
metal. Ninguém nem ao menos piscou.
— Ai! — Lilith
esfregou o braço.
A lâmpada
fluorescente piscava e zunia acima dela, que se ajoelhou no azulejo
verde-catarro para inserir sua senha e pegar os livros do dia. A alguns
armários dali, Chloe King exibia o ombro direito e sua nova tatuagem de asa de
anjo ao namorado mais recente e aos muitos amigos que se aglomeravam ao redor.
Quando Chloe
percebeu a presença de Lilith, deu um sorriso largo e suspeito.
— Bela
apresentação ontem à noite, Lil! — cantarolou.
Era impossível
que Chloe estivesse de fato sendo legal. Lilith sabia que devia sair de cena
antes de as coisas piorarem.
— Hum, valeu —
respondeu, apressando-se para destrancar o armário.
— Ai, meu Deus!
Você achou mesmo que eu estava falando sério? Isso foi uma piada! Assim como sua
apresentação. — Chloe soltou uma gargalhada, acompanhada por toda a sua
panelinha.
— E... mais um
dia horrível — sussurrou Lilith, voltando a atenção para o armário.
— Não precisa
ser.
Lilith ergueu o
olhar.
Luc, o estagiário
que ela conhecera no dia anterior, estava parado ao seu lado. Ele se encostou
nos armários, lançando uma estranha moeda dourada no ar.
— Ouvi falar que
você sempre chega atrasada na escola — disse ele.
Para Lilith, seu
atraso crônico não parecia ser uma fofoca fascinante. Além de Tarkenton, de
alguns professores, Jean e, agora, Cam, ninguém em Trumbull jamais dera a
mínima para Lilith.
— Se achava que
eu ia chegar atrasada, por que estava esperando por mim antes do sinal?
— E não é isso
que se faz no ensino médio? — Luc olhou em volta do corredor. — Ficar esperando
uma aluna perto de seu armário na esperança de ser convidado para o baile de
formatura?
— Você não é
aluno! E espero que não esteja tentando me fazer convidá-lo para o baile. Pode esperar
sentado! — Lilith abriu o armário e atirou alguns livros dentro.
Luc apoiou os
cotovelos na porta do armário e olhou para baixo em sua direção. Lilith o
fitou, irada, esperando que ele saísse do caminho para que pudesse fechar a
porta.
— Já ouviu falar
nos Quatro Cavaleiros? — perguntou Luc.
— Todo mundo já
ouviu falar neles! — Chloe King se afastou de seus admiradores para ficar
frente a frente com Luc. O delineador prateado brilhava contra a pele negra
perfeita e o cabelo tinha sido arrumado em centenas de tranças minúsculas. Ela
baixou o olhar para Lilith. — Até lixo que nem ela.
— Desde quando
você curte os Quatro Cavaleiros? — perguntou Lilith.
Os Quatro
Cavaleiros eram perturbadores e intensos; suas baladas de rock, inteligentes e
tristes, e, como cada álbum diferia do anterior, os fãs de verdade conseguiam
enxergar a verdadeira evolução em seu estilo. Foram as músicas compostas pelo
líder da banda, Ike Ligon, que levaram Lilith a querer ser musicista. Era
impossível que uma garota como Chloe pudesse entender a dor que aqueles caras expressavam
em sua música.
— Que crueldade
dar esperanças a ela — disse Chloe a Luc, e começou a cantarolar o refrão do último
single dos Quatro Cavaleiros, Lantejoulas
de acontecimentos.
Lilith fechou o
armário e ficou de pé.
— Dar esperanças
em relação a quê?
— Se você não
cabulasse tanto as aulas — disse Luc a Lilith — saberia da novidade.
— Que novidade? —
perguntou Lilith.
— Os Quatro
Cavaleiros vão fazer o show de encerramento do baile — disse Chloe. Atrás dela,
suas três amigas soltaram um gritinho estridente. Uma delas trazia um estojo de
violão pendurado ao ombro, e Lilith percebeu que essas meninas provavelmente
eram as integrantes da banda de Chloe.
O sangue de
Lilith latejava nos ouvidos.
— Impossível!
— Vou tatuar o
nome de Ike bem aqui. — Chloe se virou de novo para o namorado e seus amigos, desabotoando
o decote para ostentar o futuro lugar da tattoo.
— Bem acima do coração. Está vendo?
Os garotos
definitivamente viram.
— Os Quatro
Cavaleiros vão tocar em Crossroads? — perguntou Lilith. — Mas por quê?
Chloe deu de
ombros, como se não conseguisse imaginar por que uma banda incrível não
desejaria visitar sua cidade horrível.
— Eles vão ajudar
Tarkenton a julgar a Batalha de Bandas.
— Espera aí! Quer
dizer que os Quatro Cavaleiros vão ver as bandas desta escola tocar? — perguntou
Lilith baixinho. — No baile de formatura?
Luc assentiu,
como se entendesse o quanto a notícia era importante.
— Eu mesmo dei a
ideia a Ike.
— Você conhece
Ike Ligon? — Lilith piscou para Luc.
— A gente estava
trocando umas mensagens de texto ontem à noite — respondeu ele. — Espero que
não fique constrangida, mas sua apresentação no sarau me fez pensar no quanto
seria maravilhoso se os Quatro Cavaleiros tocassem uma música composta por um
aluno da Trumbull.
Luc estivera lá
na noite anterior? Lilith estava prestes a perguntar por quê, mas tudo o que
saiu de sua boca foi:
— Caramba!
A ficha
finalmente caiu: os Quatro Cavaleiros viriam para cá, para Crossroads. Para
Trumbull. Era o mais próximo que ela já havia chegado de tietar em público.
— Ike adorou a
ideia — continuou Luc. — A partir de hoje, aceitaremos letras e até arquivos em
MP3 com material composto pelos alunos, e Ike vai cantar a música vencedora no
encerramento do baile.
— Meu pai acha
que é um jeito de tornar a formatura mais inclusiva — acrescentou Chloe. — Exceto
para malucas como você.
Mas Lilith mal
ouvia Chloe. Em sua mente, ela imaginava o rosto desmazelado de Ike Ligon se iluminando
diante de suas letras. Por uma fração de segundo, ela até imaginou conhecê-lo,
e sua fantasia logo a levou para um estúdio de gravação de verdade, onde Ike
produziria seu primeiro álbum.
Chloe olhou para
Lilith, desconfiada.
— Desculpe, mas
você está, tipo, imaginando que uma de suas músicas vai ser escolhida? — Chloe se
voltou para as amigas e riu.
Lilith sentiu-se
corar.
— Eu não...
— Você nem mesmo
tem uma banda! — exclamou Chloe. — Já a minha tem três singles, e Ike vai amá-los! — Fechou a porta de seu armário com
força. — Vai ser maravilhoso ser a rainha do baile e vencer a batalha e ver os
Quatro Cavaleiros fazendo um cover de
uma de minhas músicas.
— Você quer dizer
uma de nossas músicas, não? —
questionou a garota do violão para Chloe.
— É — disse
Chloe, bufando. — Tanto faz. Vamos embora! — Ela estalou os dedos e começou a descer
pelo corredor, acompanhada pelas amigas.
— Ela não vai
vencer — sussurrou Luc no ouvido de Lilith, enquanto Chloe ia embora.
— Ela vence tudo — murmurou Lilith, colocando a alça
da mochila no ombro.
— Isso ela não
vai ganhar. — Algo no tom de voz de Luc fez Lilith parar e se virar. — Você tem
grandes chances de ganhar, Lilith, só que... Ah, esquece.
— Só que o quê?
Luc franziu o
cenho.
— Cam. — Ele
olhou para os outros alunos que passavam por eles em direção às salas de aula.
— Sei que ele fez pressão para você montar uma banda com ele ontem. Não faça
isso.
— Eu não estava
pensando em montar banda alguma com ele — respondeu Lilith. — Mas por que você
se importa?
— Você não
conhece Cam como eu.
— Não — concordou
Lilith. — Mas não preciso conhecê-lo para saber que o odeio. — Dizer isso em
voz alta a fez perceber o quanto parecia estranho. Ela realmente odiava Cam,
mas nem sabia por quê. Ele não havia lhe feito nada, e, no entanto, só de
pensar nele, já ficava tensa e tinha vontade de quebrar alguma coisa.
— Não diga a
ninguém que lhe falei isso. — Luc se inclinou para a frente. — Mas, um tempo
atrás, Cam fazia parte de uma banda com uma gata que cantava e...
— Gata que
cantava? — Lilith semicerrou os olhos. Os homens não valiam nada mesmo.
— Quero dizer,
vocalista — explicou Luc, revirando os olhos de leve. — Ela compunha todas as músicas
e estava completamente apaixonada por ele.
Lilith não estava
interessada em Cam, mas não ficou tão surpresa ao saber que outras meninas estavam.
Ela entendia: Cam era sexy e carismático, mas não era seu tipo. Suas tentativas
de seduzi-la só a faziam desprezá-lo ainda mais.
— Quem se importa
com isso? — perguntou.
— Você deveria...
— respondeu Luc. — Principalmente se for para a cama com ele. Musicalmente falando,
claro.
— Eu não vou pra
cama com Cam em nenhum sentido! — respondeu Lilith. — Só quero ficar na minha.
— Ótimo — disse
Luc, com um sorriso misterioso. — Pois Cam é... como posso dizer? Ele faz mais o
tipo que usa-e-joga-fora.
Lilith achou que fosse
vomitar.
— E daí? O que
aconteceu?
— Então um dia,
quando tudo estava indo de vento em popa, ou ao menos era o que essa garota achava,
Cam simplesmente sumiu. Ninguém soube dele por meses, embora a gente tenha
ouvido falar sobre ele. Lembra aquela música, A morte das estrelas?
— Do Dysmorfia? —
confirmou Lilith. Ela só tinha ouvido aquele único single da banda, mas o adorava.
— Tocou no rádio sem parar no verão passado.
— É por causa de
Cam. — Luc franziu o cenho. — Ele roubou a letra da garota, disse que era dele e
vendeu a música para a Lowercase Records.
— Por que ele
faria isso? — perguntou Lilith. Ela relembrou o dia anterior, quando ele
gentilmente a convenceu a não deixar que o medo do palco a paralisasse. Ela o
detestava, mas, apesar disso... aquela fora uma das coisas mais legais que
alguém já fizera por ela.
O sinal tocou, e
a multidão no corredor foi diminuindo à medida que os alunos entravam nas
salas. Por cima do ombro de Luc, Lilith viu Tarkenton inspecionando os
corredores em busca de alunos atrasados.
— Preciso ir —
falou ela.
— Só estou dando
um toque — avisou Luc, e começou a se afastar. — Suas canções são boas. Boas demais
para deixar Cam atacar de novo.
Lilith caminhou
em direção à sala de aula. Sua mente girava. Como podia perder tempo numa sala quando
haveria uma competição de composições julgada por Ike Ligon? Ela não dava a
mínima para o fato de que isso ocorreria num baile de formatura. Ela poderia
aparecer só na hora da Batalha de Bandas. Não precisava de companhia ou
vestido. Só precisava estar no mesmo lugar em que Ike Ligon estivesse.
Ela deveria estar
ensaiando agora. Deveria estar escrevendo mais canções.
Quando se deu
conta, seus pés a levaram à sala de música.
Cam estava
sentado no chão, afinando a guitarra verde fininha que ela o vira tocar no dia
anterior. Jean Rah batucava na calça jeans, usando as baquetas. O que faziam
ali?
— A gente estava
justamente falando de você! — exclamou Jean Rah.
— Vocês não
deveriam estar aqui! — retrucou Lilith.
— Nem você! —
rebateu Cam, dando-lhe mais uma piscadinha irritante.
— Você tem algum
tipo de tique? — perguntou Lilith. — Algum espasmo no músculo do olho?
Cam pareceu
confuso.
— Isso se chama
piscadinha, Lilith. Tem gente que acha charmoso.
— E tem gente que
acha que te faz parecer um grande pervertido — argumentou Lilith.
Cam olhou para
ela. Lilith achou que ele fosse dar uma resposta cáustica, mas, em vez disso,
disse:
— Desculpe. Não
vou fazer de novo.
Lilith suspirou.
Ela precisava focar em sua música e Cam era uma distração. Tudo nele lhe
roubava o foco, desde a forma como dedilhava a guitarra até o sorriso
inescrutável, que formava ruguinhas nos olhos verdes quando ele a fitava.
Lilith não gostava disso.
E ela jamais
gostara de Jean. Queria que os dois caíssem fora. Sua boca virou uma carranca.
— Por favor,
caiam fora — pediu. — Os dois.
— A gente chegou
primeiro — retrucou Jean. — Se alguém tem de sair, este alguém é você.
— Calma aí, vocês
dois — falou Cam. — Vamos só improvisar. Espere só até ouvir essa melodia que
eu e Jean acabamos de compor.
— Não! —
respondeu Lilith. — Eu vim trabalhar numa coisa. Sozinha. Eu nem trouxe meu violão.
Cam já estava
dentro do armário de instrumentos, tirando um violão do estojo. Ele caminhou em
direção a Lilith e pôs o violão nas mãos dela, passando a alça pela cabeça, ao
longo dos ombros. Era um Les Paul, com braço fino e um leve spray prateado nas
casas. Ela nunca havia segurado um violão tão legal antes.
— E agora, qual a
desculpa? — perguntou Cam baixinho. Suas mãos se demoraram na nuca de Lilith
por mais tempo que o necessário, como se ele não quisesse tirá-las dali.
Então ela mesma
as tirou.
O sorriso de Cam
desapareceu, como se ela o tivesse magoado de alguma forma.
Se tinha mesmo,
não estava nem aí, disse a si. Não sabia por que ele estava sendo tão atrevido,
qual era sua intenção ao incentivá-la com a música.
Pensou em Chloe
King, no quanto havia sido grosseira sobre sua apresentação no sarau. Tinha
sido a única vez que Lilith se apresentara em público. Ao segurar aquele
violão, percebeu que não queria que fosse a última.
Mas isso não
significava que eles iam formar uma banda. Podiam apenas, como disse Cam, improvisar.
— O que eu faço?
— perguntou ela, sentindo-se vulnerável. Não gostava de estar sob as rédeas dos
outros; muito menos das de Cam.
Silenciosamente,
Cam conduziu a mão dela até o braço morno do violão. Sua mão direita levou a dela
até as cordas. Ela vacilou um pouco.
— Você sabe o que
fazer — disse ele.
— Não sei.
Nunca... com outras pessoas... eu...
— Comece a tocar,
só isso — falou Cam. — A gente te acompanha.
Ele fez um sinal
com a cabeça para Jean, que bateu uma baqueta na outra quatro vezes enquanto Cam
pegava o esguio baixo Jaguar verde, com alavanca tremolo.
E então, como se
não fosse nada demais, Lilith deixou os dedos se soltarem.
O som de seu
violão encaixou-se na percussão de Jean Rah, como o pulsar do coração. O som
das cordas rascantes de Cam cruzava-se com o ritmo pesado, que nem uma mistura
de Kurt Cobain com Joe Strummer. Vez ou outra, Jean mexia no pequeno e preto
sintetizador Moog, que ficava ao lado de sua bateria. Os acordes do
sintetizador zuniam como abelhas gordas e simpáticas, suas vibrações encontrando
abrigo nos espaços deixados pelos outros instrumentos.
Depois de um
tempinho, Cam levantou a mão. Lilith e Jean silenciaram. Todos podiam sentir alguma
coisa valiosa no ar.
— Vamos fazer uns
vocais — disse Cam.
— Tipo agora? —
perguntou Lilith. — Assim, do nada?
— Do nada. — Cam
apertou um interruptor e testou o microfone com a ponta dos dedos; depois direcionou-o
para Lilith e recuou. — E se você cantasse a música que cantou ontem?
— Exílio — disse Lilith, com o coração
acelerado. Ela pegou o caderno, o que continha todas as letras de suas músicas,
mas depois pensou no dia anterior, no quanto todos haviam odiado sua apresentação.
O que estava fazendo? Apresentar-se na frente dos outros só lhe traria mais
humilhações.
Mas aí imaginou
Ike Ligon cantando sua música diante de toda a escola.
— Estou pronta —
respondeu.
Baixinho, Cam
disse:
— Um, dois, três,
quatro!
Ele e Jean
começaram a tocar. Cam fez sinal para Lilith começar a cantar.
Ela não
conseguiu.
— O que foi, algo
errado? — perguntou Cam.
Tudo!,
ela quis dizer. A única coisa que Lilith conhecia era a frustração. Nada em sua
vida jamais dera certo. O que, na maioria das vezes, não era um problema, pois
ela nunca se permitia esperar por coisa alguma, sendo assim, nunca se importava
de fato.
Mas isto? Música?
Isso era
importante para ela. Se cantasse e se saísse mal, ou se sua música não fosse
escolhida para a batalha, ou se ela, Cam e Jean montassem uma banda e tudo
desse errado, Lilith perderia a única coisa que lhe importava. Os riscos eram
muito grandes.
Era melhor recuar
agora.
— Não posso —
disse ela.
— Por que não? —
perguntou Cam. — A gente toca bem junto. Você sabe disso...
— Eu não sei disso. — Seus olhos cruzaram os de
Cam, e ela ficou tensa como um fio prestes a arrebentar. Lembrou-se da conversa
que tivera com Luc naquela manhã, e o refrão de “A morte das estrelas”, do Dysmorfia, começou a tocar em sua mente:
Esta noite, as estrelas estão no seu rosto
Esta noite, não há espaço sideral
— O que foi? —
Quis saber Cam.
Será que ela
deveria lhe perguntar sobre a canção? E sobre a garota? Seria loucura fazer
isso? E se Cam fosse mesmo um ladrão de letras? E se esta fosse a verdadeira e
secreta razão pela qual ele queria formar uma banda com ela? Além do violão, as
músicas de Lilith eram as únicas coisas que lhe importavam. Sem elas, não tinha
nada.
— Preciso ir —
declarou Lilith. Ela pôs o violão no chão e pegou a mochila. — E não vou inscrever
minhas letras na competição. Acabou!
— Espere! —
chamou Cam, mas ela já havia saído da sala de música.
Lá fora, Lilith
atravessou o estacionamento da escola em direção à floresta enfumaçada. Tossiu,
tentando não pensar no quanto tinha sido bom tocar com Cam e Jean. Foi idiotice
improvisar com eles, esperar por alguma coisa, porque ela era Lilith, e tudo
era sempre uma droga, e ela nunca, nunca conseguia o que queria na vida.
Os outros
adolescentes não hesitavam quando eram perguntados sobre seus sonhos.
“Faculdade”, diziam, “depois seguir carreira no ramo financeiro”. Ou “mochilar
pela Europa por dois anos”, ou “entrar na Marinha”. Era como se todos, exceto
Lilith, tivessem recebido um e-mail explicando em que faculdades se matricular
e como conseguir vaga numa fraternidade estudantil uma vez que estivessem lá, e
o que fazer caso quisessem se tornar médicos.
Lilith queria ser
artista, uma cantora com composições próprias, mas não era idiota a ponto de acreditar
que isso era possível.
Ela sentou no seu
cantinho perto do riacho e abriu a mochila para pegar seu caderno. Os dedos procuraram
o caderninho. Enfiou a mão mais fundo, empurrando para o lado o livro de
história, o estojo, o chaveiro. Onde estava o caderno? Ela abriu bem a mochila
e tirou tudo o que havia ali dentro, mas o caderno preto de espiral não estava
lá.
Então se lembrou
de que o havia tirado da mochila na sala de música quando achou que fosse começar
a cantar. O caderno ainda estava lá. Com
Cam.
Em um piscar de
olhos, Lilith se levantou e correu de volta para a sala de música, indo mais
rápido que jamais imaginou que conseguiria. Escancarou a porta, arfando.
A sala de música
estava vazia. Cam e Jean — e seu caderno preto — não estavam mais ali.
lucifer é um babaca
ResponderExcluirE o Luciano tinha atrapalhar claro. .. essa era a pegadinha!
ResponderExcluirFlavia
A maldição do Daniel e da Luce é o contrário da maldição do Cam e da Lilith , pq a Luce em todas as vidas se apaixonava pelo Daniel e a cada vez voltava mais apaixonada e a Lilith odeia em todas as vidas e a cada vida odeia mais o Cam kkkkk e o Lúcifer é o único que nunca muda sempre atrapalhando .
ResponderExcluirE não é? Kkkkk
ExcluirAmando esse livro 😍
ResponderExcluirUma Nephilim solitária
ela é chata de mais aaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
ResponderExcluirTRABALHAR COM O DIABO NÃO É FÁCIL NÃO HEIN. O CAPETA JOGA SUJO!!!
ResponderExcluir